1. Vem pro meu mundo. (Mike)

15/10/2014
A música explodiu nas caixas de som do meu lado direito e esquerdo e a fumaça encobriu até a minha cintura. O próximo som a se ouvir em torno do palco do clube das mulheres são assovios ansiosos. É, então, que eu esqueço quem sou e o personagem toma posse do meu corpo.
Muitos não conseguem estar totalmente limpos para fazer esse papel. Alguns se drogam, outros bebem, cada um escolhe como se entorpecer antes de encenar. Eu sou do grupo que tem suas próprias regras éticas. E as minhas são: eu não beijo e não transo por dinheiro com as garotas que vem ao clube, nem me drogo, claro.
Eu não sei tudo sobre mim, mas, sei o que não sou. E eu não sou um garoto de programa. Porque se eu não soubesse o que é o meu inverso, eu me perderia completamente. Delimitar esse nível faz com que eu siga o caminho para onde quero ir. Porque deve ser óbvio que não quero isso pra sempre.
É sexta e my ladies de hoje são executivas que pagaram hora extra para a empregada e deram desculpas para o marido e namorado para virem ao clube das mulheres. E elas não só gostam dos bombeiros e militares, agora, querem ver o CEO aqui molhar suas calcinhas. Creia, eu sou o rei nessa arte. A casa sempre lota a cada novo personagem que eu invento e os donos não me incomodam e aceitam as minhas exigências.
Começou a tocar “Talk Dirty” e as assanhadas gritam e esperneiam com o mínimo gesto de eu segurar o nó da gravata. Dei um sorrisinho cretino de lado e pisquei, porque todo cafajeste as fazem esquecer a carinha de mamãe comportada.
Virei as costas e abri os braços ainda de terno e rebolei a bunda que tanto me custa malhar todo dia. Acho que elas vão quebrar as taças do bar com os gritinhos agudos.
E é nessa hora que uma adrenalina corre forte pelas minhas veias e o sangue esquenta nas veias das minhas dirty girls. Giro em torno do próprio pé e tiro o terno.
Uma senhora mais velha está de bochechas vermelhas e parece que vai enfartar na primeira fileira. Jogo o terno para ela e o abraça como se por pouco não chegasse ao orgasmo ali.
Talk dirty to me/ Talk dirty to me/ Talk dirty to me/ Get jazzy on me…
Um, dois, três, quatro, diz a música, e abro de uma vez a blusa social branca enquanto rebolo a cintura. A partir daí não importa o rostinho de modelo que tenho, porque são minhas entradas travadas que as hipnotizam. Sem camisa, ao som do saxofone, corro para a ponta do palco e dou um giro no ar, caindo na frente delas de pé. As safadas de primeira viagem que não sabem tomam um susto tão grande que arregalam os olhos e tremem nas cadeiras, em total descontrole.
Ainda de gravata, eu me inclino sobre uma tímida senhora de roupa social e ela puxa minha gravata. Olho dentro dos seus olhos que piscam rápidos. Nesse momento, eu sei o meu poder e as faço se sentirem a mulher mais gostosa do mundo. Elas entregam a nós os julgamentos sobre si. Se soubessem que é justamente a autoconfiança que nos atrairia…
Abro as pernas em torno da sua cadeira e rebolo, deixando que toque minha barriga com mãos frias de quem deve ter passado o dia em um excell ou processo chato.
Sou bem democrático e deixo com ela a minha gravata, enquanto puxo outra para se levantar. Viro-a de costas para mim. Afasto seu cabelo para o lado e rebolo encostado a sua bunda de maneira que revira os olhos e é invejada aos gritos.
Então, entendem que todas podem ter seus segundos de putaria vã, paga, reclusa e secreat, para depois só postar no Face que tomaram um drink com as amigas com carinha de boas mocinhas. É aí que as mais espertas se manifestam.
Abaixei e peguei uma delas de saia pela cadeira e levantei até meus ombros, nessa hora o clube inteiro explode num delírio grupal que preciso me concentrar para fazer cada passo sem errar, porque alguns exigem muito treino físico.
Agora, o pudor já não tem espaço e uma outra que veio até mim aceitou inclinar-se. Dancei para frente e para trás como se estivéssemos no mais louco sexo de quatro. E aí meu chefe ri inclinado sobre o bar e oferece a taça. Ele daria o clube inteiro para ir para a cama comigo, mas, respeita o fato de que não é meu gosto, mas, o enriqueço para ter isso com outros.
Subo de volta para o palco e tiro o cinto e bato no chão. Gritos e recebo elogios de todos os níveis. Então, dou uma tapinha no bolso e todas acordam, porque sabem que para comer sobremesa é preciso pagar. Para se lambuzar, tem que gastar e eu sou muito caro! Faço sinal para todas as que estão com notas nas mãos, então, as outras entendem o código.
Arranquei a calça social de velcro e fico só de cueca fio dental, levando-as ao êxtase.
Vou para o solo em flexões de um braço só e uma delas sobe no palco bêbada e deita para eu dançar sobre seu rosto. Logo que faço uma dança rápida o segurança combinado comigo pede para que desça. Já expliquei para casa que no meu quadro eu sou o pop star. Então, deito de costas e levanto o ventre, quase nú, incorporando a perversão total.
É perto do fim, fecho os olhos por alguns segundos e chove dinheiro sobre o meu corpo pagão e me sinto aliviado por ter conseguido dar tudo de mim e ainda não ter sido eu. Mãos me tocam com milhares de dedos e sei que ali é perto do inferno de Dante e que me vêem como um anjo mal, caído e perdido. Mas, não sou eu, é só um personagem. E elas acreditam.
Desço de volta para o camarim contando as notas que enfio na mochila. Visto meu casaco de capuz e o tênis
Toni, o dono aparece. Espero que não me ofereça um novo cheque para mudar minha idéia, porque hoje estou realmente cansado e ainda preciso correr e fazer exercícios para voltar a fazer o quadro de virar uma garota de cabeça para baixo em 69. Preciso estar seguro pra isso e não tenho tempo a perder.
-Seu pagamento hoje está mais gordo. Não sei como anda recrutando essas garotas, mas, não consigo mais colocar todas elas para dentro no seu dia.
-A propaganda boca a boca é a alma do negócio e esses maridos devem estar fazendo a contra propaganda para trazê-las para mim. -ri, amistoso, mesmo sem vontade de ser simpático com ele para não lhe dar um recado errado.
-Queria te propor vir três vezes na semana e dobro seu cachê. -ofertou e eu puxei o cordão da mochila para ajustá-la.
-Vou pensar.
-Pensar? -ele riu alto. -Está brincando?! -irritou-se.
Lembre-se, saiba seu preço e, se não souber, fale que vai pensar, mas, nunca, deixe que o outro tenha total certeza sobre o que você vale.
-O que custa vir aqui três vezes?
-Não é sobre a quantidade de vezes que vou pensar, é sobre como vai me pagar.
-Tá de sacanagem? Você se acha mesmo, né?
-Podemos fazer a conta inversa. E se eu sair, quanto você perde no faturamento total?
Ele coçou a barba e bufou, muito irado.
-Vou deixar você pensar, então. Eu quero uma porcentagem do faturamento da casa. Variável, nada fixo. Se eu encher, ganhamos os dois…
Acho que ele ia enfartar, então, eu sai pela cozinha e abri a porta de metal dos fundos da boate.
Já de capuz e mãos nos bolsos. Respirei com força o ar da rua e tive certeza que agora era só eu mesmo de volta.
Durmo um pouco na delícia do anonimato do ônibus e chego em caso direto para tomar meu suplemento já separado em potes ao lado do filtro de água. Minha avozinha querida aparece de bengala em toda sua fragilidade e amor e crê que cheguei cansado do meu trabalho noturno em uma empresa da qual nunca me pediu detalhes. Está tão doente tossindo que a cada som de sofrimento eu tenho certeza que fiz tudo certo para pagar seu plano de saúdo caríssimo.
Por que me parece tão injusto ela estar perto de morrer, antes de eu ter tempo de lhe provar que venci, que virei um homem digno? Se bem que a parte errada de mim ela não vê, o que enxerga é só uma superfície bonita e forte para qual sorri e acaricia meu rosto com olhos cintilantes que me matam por eu saber a verdade sobre mim.
Eu não sou um só. Aprendi com vovó que podia ter todas as faces que necessitasse para conquistar o que desejava. Lembro de quando ainda podia curvar-se sobre mim pequeno, aconselhava: “Filho, sorria para a professora mesmo que não sinta vontade, porque será bom pra você; Mike, não reclame das rabugices do vizinho, seja engraçado e bem humorado com ele, porque sempre atrasamos o aluguel e ele é dono da nossa casa; Hei, Mike, nada de deixar que percebam que está com medo, porque senão, vão bater em você, seja forte.” Para eu viver no mundo dos leões das ruas, ela jamais me aconselhou a ser eu mesmo, uma ovelhinha.
Por isso, eu sou vários homens, todos os que você puder me exigir. É preciso ser bem frio para isso e descolar a alma da epiderme. Mas, não sou sem coração. De forma alguma, sou, ao contrário, um coração batendo forte na noite, correndo de capuz pelas ruas, pingando suor no queixo, como agora, como todas as madrugadas em que peço pra que vovó vá dormir, pois vou me exercitar. Ela nunca entendeu porque tanto…
Se a inspiração para ator veio da vovó, foi minha professora de teatro da escola que lapidou todas as técnicas para trabalhar o talento que ela via em mim. Talvez, sua aspiração era me fazer grande ator de TV. Só que aprendi tudo bem direito para representar todos os personagens, menos a mim mesmo. Será que encontrarei alguém que vai me querer de verdade?
Eu sou mais fraco do que todos esses homens que represento, senão, não precisaria deles. Mas, não descanso, por isso, corro de madrugada na rua sozinho pra ter certeza de que o limite não me controla. Quando descanso, eu tenho a impressão que estou entregando as pontas, então, eu estou sempre me movendo pra próxima oportunidade.
Acordo de manhã e visto a melhor roupa e coloco as lentes de águia para ir a rua e achar minha grande chance por aí. Porque ela está ali me esperando encontrá-la. Eu nasci para vencer, então, eu falo, represento com o queixo levantado de um já vencedor. É preciso você primeiro crer no seu milagre para ele ter chance de existir.
Na primeira vez que subi a um palco pra dançar no clube das mulheres eu me considerei um promíscuo, mas, lembrei que eu podia atuar, então, eu me permiti ser só mais outro qualquer. Imoralidade é outra coisa, é você não arriscar tudo pra chegar lá. Se um homem dança pra uma mulher ele é sexy, se dança para várias é promíscuo… Na verdade, eu era uma ostra rica produtora de pérolas e, por isso, pode entender que, ao descer do palco, eu não era feliz. Ostras não são felizes.
Então, se era a forma de ganhar dinheiro, que eu vestisse a máscara e entrasse em outro nirvana.
A merda é que o dinheiro é viciante e quando eu me transformo, elas esvaziam todos os bolsos sobre mim com chuva de notas. O que fazer quando isso paga todas as minhas contas? Portanto, não venha com preconceitos, porque não há como me compreender separando-me dos fatos, dos meus contextos, extraindo-me da minha história. Tudo bem que eu não conto, não contei essa minha vida a ninguém.
Que terrível e limitante se eu vivesse por aí sendo um cara sem graça. E se você quer continuar lendo essa história, então, não me leia, me sinta, toque na minha pele como elas tocam e tente sentir. Não sinta por muito tempo, porque isso pode te enlouquecer. Eu não procuro me analisar demais, me daria náuseas em alguns momentos. Só vivo.
Eu mesmo estou nas palavras que não falo, porque lá dentro não articulo, é só um coração batendo. Tudo que vem da minha boca não é bem a verdade, porque já raciocinei e transformei. Já me peguei a questionar se alguma mulher teria ouvidos para os meus silêncios e entenderia minhas falas mudas interiores.
Boa parte do dia sou o centro de duas aspas do meu eu citando um outro que fala com muita mais coerência. Eu mesmo por mim diria muitas besteiras. E, afinal, existe mesmo essa pessoa por aí para dar atenção as nossas conversas inúteis? Eu queria conhecê-la só para ter esse prazer de uma conversa que não leva a nada. Mas, não podemos ter todas as sortes na vida, como também não escolhemos qual a sorte será a nossa. Então, quem sabe a gente não se esbarre?
Por enquanto essa mulher impossível é a minha invenção? Não sei se mereço que se materialize para mim, por que tenho o terror de que queira mesmo algum dos meus personagens e, não, só meu eu nú, nú no sentido das máscaras, porque eu vivo nú, à noite. E a idéia me fez gargalhar enquanto corro forte pelas ruas vazias de pessoas. É tão pacífico correr assim.
Quem sabe não está aí guardada em uma caixinha de música quebrada antiga, ainda produzindo algum som que mexe por dentro na alma, lembrando um melhor momento de algum tempo antigo e bom. Não precisaria ter a pose de uma bailarina, mas, gostaria que fosse assim delicada e singela. Não como aquelas que me arranham como animais no cio. Porque o que me mata é ver todo dia uma multidão de mesmas mulheres. Eu precisava de uma única exceção para mim. Já caí no costume de ter o desejo de todas elas e a me sentir infernalmente sozinho. Um dia eu tenho que mudar isso! Só que não se faz a realidade só com o desejo, é preciso ter o destino ajudando. E, juro, ele não anda trabalhando ao meu favor. Talvez, meu castigo? Ter todas para não ter nenhuma?
(…)
Acordei e fiz a barba. Tirei do rosto qualquer risco de perdedor ou largado. Arrumei o cabelo como se fosse para a apresentação mais importante da minha vida, porque você tem que acordar como se nenhum dia fosse tão importante quanto esse. Enquanto Deus me deixar colocar o pé direito no chão, eu vou acreditar que vou trombar com o que vai mudar minha história. Se um emprego, uma pessoa, um amor, uma virada, que venha e eu descubra depois.
A blusa social era o toque de recado para os céus de que eu estava empenhado em crescer e os anjos precisavam fazer a parte deles, porque um dia eu também poderia cobrá-los. Vovó sorriu-me com doçura e o melhor café do mundo, mas, traia-lhe e tomava a segunda rodada em uma charmosa cafeteria de outro bairro nobre.
Sentava-me lá com a displicência de quem não precisa trabalhar aquela hora e lia um jornal caro e mexia no meu celular de muitas prestações. Lembre-se, se portar como um vencedor é um começo para atrair como ímãs as chances do universo para você e já tive muitas provas disso. Provas pequenas. Só que estou ficando mais velhos e agora preciso das grandes.
Então, estou um pouco impaciente, porque já fazem dois dias que um grupo de amigos pagodeiros me dispensaram como produtor musical deles por outro produtor ,famoso que tomou o meu lugar. Saco, preciso de um artista grande para já. Mentalizei com toda força para que as energias do universo se alinhassem com a minha necessidade e fizesse qualquer sentido para eu entender.
Nada naquela manhã e eu começava a me sentir preocupado. Havia contas para pagar que não esperavam. Quero dizer, me esperavam com juros.
Foi quando, à noite, depois de correr de tênis sujo, suado e capuz, entrei na lanchonete do bairro que ficava aberta até tarde para comer um sanduíche com suco e tudo aconteceu. Veja bem que não tem blusa social ou perfume e lá estou eu tendo que jogar todas as fichas na capacidade de atuar! É um desafio do destino contra mim, só pode ser mesmo! Se eu tinha poucas armas, que fosse desarmado assim mesmo, porque não há tempo quando suas dívidas urgem.
Amassei a bolinha do guardanapo e a joguei fora como um felino que prepara as patas no solo para correr depois de achar a presa. Preciso pensar no que falar e não há tempo.
Olhei para a loira lindíssima sentada na última mesa dos fundos, colada à parede. Era tão perfeita quanto parecia nas capas de revistas. Não era uma projeção da tv ali na minha frente. Sim, era a atriz da TV bem no meu bairro!
O que aquele anjo indefeso fazia ali eu não sabia, mas, era pra mim, eu tinha toda a certeza do mundo! Parecia um pouco deslocada e constrangida comendo seu pão integral com queijo branco e suco de laranja.
-O que aquela atriz da novela faz aqui? -perguntei ao balconista e ele respondeu que estavam gravando uma cena de filme ali perto do meu bairro pobre e ela decidiu sair sozinha para comer, como se isso fosse um safari.
Ótimo, porque eu era o rei da selva.
Olhei outra vez até que seus olhos encontrassem com os meus. É só aguardar que a pessoa vai sentir que é olhada. Viu-me encostado ao balcão e olhou meu peito à mostra no abrigo aberto. Engoliu o bolo de pão e abaixou os olhos para tomar mais suco. Estava muito maquiada com uma roupa colada que não tinha a ver com ela e ajudava a destoar totalmente.
Puxei uma cadeira ao seu lado ruidosamente, abri a mochila e tirei um livro. Ela achou mesmo que eu lhe pediria autógrafo ou mostraria que a reconheci? Mulher esnobada é mais frágil. E eu precisava que estivesse fraca para não resistir. Frio e calculista assim!
Sorri para sua amiga do seu outro lado quando virei a página porque nunca se pode ter uma amiga contra você. Senão, é melhor nem começar a lutar. E, claro, que há o efeito duplo daquela super loira de grandes olhos azuis se sentir inferior por não ter sido paquerada. Não importa se você é um mendigo imundo, a mulher por dentro se ressente por perder seu olhar para uma amiga. Eu aprendi isso na noite.
Virei novamente a página, afinal, que homem que lê poderia provocar um mal a uma jovem atriz famosa indefesa? Eu. Exceto porque eu não ia lhe fazer mal, mas, bem a mim.
-Então, é como eu estava lhe falando, eu sou uma idiota em ter acreditado no meu assessor, ele roubou um bocado.
Cada palavra daquela fez meu coração disparar e entendi que todo aquele alinhamento das estrelas, astros, planetas, pessoas e caminhos se fez naquela frase. Era isso. Eu sabia. Eu sabia que o dia ia chegar para eu vencer.
-Você vai encontrar um outro. -a amiga aconselhou-a.
Era tanta coincidência que eu quase tremia. Não é possível. Cadê minha roupa, meu cartão, minha credibilidade?
-Desculpe…- interrompi-as com uma tossidinha e elas pararam e me olharam como se esperassem, por isso. -Podem passar o palito? -pedi e foi muito difícil não rir da cara delas, como se eu estivesse pedindo para plantarem uma floresta de eucaliptos para depois esperar crescer, cortar e produzir os palitos para mim. O que queriam? Que eu babasse pela loira famosa? Era tão perfeitinha que parecia um photoshop vivo. A amiga era normal e desconhecida, talvez alguém da equipe técnica ou iniciante. -O palito, aquela coisa ali… -apontei e piscaram, procurando na mesa. Ofereceram com medo. -Eu não vou te assaltar. -pisquei e sei fazer isso de uma forma que elas entendem como “posso roubar todo seu pudor”.
-Desculpe… Não é isso. -a amiga morena se constrangeu, porque mulher confessa muito fácil seus pensamentos.
-Jade, você precisa de um assessor? -perguntei e a loira virou o rosto rápido para mim, muito assustada. -Desculpe, seu nome passa nos créditos da TV, logo, todos sabem que se chama Jade. -ri e cruzei os braços na altura do peito pra que não soubesse para onde olhar, um pouco desconcentrada. -Eu acabei ouvindo a conversa… -levantei e puxei a cadeira ao seu lado.
Dois caras da equipe técnica que comiam no balcão nos olharam de longe em defesa, mas, meu amigo dono do lugar disse-lhes para não se preocupar, que eu era trabalhador.
-Olha que estranho. -falei para a loira que nem me olhava mais, só focava na TV a sua frente. -Eu estava correndo na rua como faço toda noite, enquanto você corre naquela academia de ar condicionado… -contei-lhe e abaixou o queixo, descendo o olhar que ficou no canto. -…E encontro você aqui precisando de um assessor. Perdi um trabalho hoje com um grupo de música e estou free. Apesar de não parecer, eu posso ser seu assessor…
-Você? -riu alto e balançou a cabeça para os lados, sem me olhar. -Já ouvi cantadas melhores.
-Eu não estava te cantando, eu sou gay. -disse-lhe para lhe cortar qualquer chance de pensar errado sobre mim. Ok, isso me daria muito trabalho, mas, eu resolveria depois.
Foi assim que me olhou diretamente e apoiou a cabeça na mão, em descrédito e desafio.
-Hum… E? -foi irônica.
-O que você precisa é mais trabalho, mais papéis importantes e para isso não basta só talento. Tem que ser tão visível como um sinal em cada esquina vermelho, parando as pessoas… Só que para isso tem que fazer falarem de você…
-E você… -colocou ironia no pronome. -Vai fazer com que falem mais de mim?
-Se eu usar a ferramenta certa e falar com a pessoa certa, sim…
-Só não está com seu caderninho preto aqui de telefones de grandes contatos… -ironizou e ela era difícil.
-Tem uma caneta? -perguntei e a amiga arregalou os olhos e achou que eu faria uma mágica como tirar um lenço da caneta. Ofereceu uma, se divertindo mais.
Jade no fundo no fundo estava sim com o sentimento de quem comprou um cupcake recheado que deixou cair no chão e ficou ali salivando. Mas, ser gay era a forma de abrir sua guarda e lhe tirar a idéia de que vou conquistá-la. Eu sou a pessoa mais capaz de resistir a mulheres, eu tenho tantas aos meus pés. Se ela imaginasse!
-Vamos fazer um teste… -disse-lhe, enquanto escrevia meu telefone no guardanapo. -… vamos tirar uma foto. Amanhã, quando vir o efeito que ela vai provocar, você me liga.
Jade, a garota queridinha das novelas e filmes estava agora com aquela ponta de desafio feminino que nasceu para provar tudo ao contrário. Eu lhe alimentaria isso.
Dei meu celular a sua amiga que se sentiu insegura, esperando um sinal de permissão.
-Eu vou colocar o capuz e ninguém verá meu rosto. Você, Jade vai colocar o punho fechado no queixo e vai fingir que olha para a mesa. -dirigi a cena. -Eu vou falar no seu ouvido, mas, ninguém vai ver meu rosto. Só isso.
-Eu não posso permitir isso, não sei o que vai fazer…
-Eu vou te colocar no twitter trend de amanhã.
-Você vai se gabar de ter tirado foto comigo?
-Não, ninguém nunca vai saber que sou eu…
-Isso não vai aumentar meu ibope.
-Então, não tem porque não se divertir e ver no que dá…
-E se for um bandido, um traficante, um…?
Sua amiga já estava com a câmera apontada, louca pela excitante brincadeira. E era para ela que eu estava falando a todo tempo, não, para Jade. Porque eu sabia que o desejo oculto da sua amiga era de prejudicá-la, competir e lhe puxar o tapete. Via-se claramente seu olhar de inveja e desprezo para a garota, que não parecia filtrar admiração de inveja de tanto que é assediada. Fui muito rápido para entender esse jogo.
Então, coloquei o capuz e inclinei a cabeça para o lado para falar-lhe ao ouvido bem baixo. Ela ordenou que não tirasse a foto, mas, aceitou ouvir, dando-me uma chance.
-Eu sei que está cansada… -sussurrei, porque nenhuma mulher resiste a ser entendida. Depois de achar que um homem esperto a conhece, ela é capaz de dar-lhe o coração e a vida. Mas, ver o óbvio não é conhecer. -…Que não queria comer esse sanduíche com gosto de nada para ficar magra. Que está com tanto sono, que não sabe como vai lembrar do texto que decorou… -continuei falando e ouvimos o primeiro flash, mas, ela já estava absorta, com a mão no queixo. -…E está se sentindo traída no meio de lobos. Você precisa de um amigo fora do jogo, que só queira te ver crescer. -falei com todo cuidado e ela nem piscava.-E esse cara sou. Sou o que você procura. Me liga quando não souber o que fazer com as ligações… -prometi e ouvi mais um flash.
-Eu falei para você não tirar! -ela despertou.
-Só me liga, não se desespere. -falei para Jade e beijei sua testa, segurando sua nuca, como um pai faria.
Os dois segundos de proteção e cuidado que lhe dei, impediu que dificultasse meu rápido movimento de tomar o celular da amiga de volta para mim. Apontei para ela e fiz sinal com a mão no ouvido para me ligar. Então, ela olhou o número no guardanapo e nem levantou. Foi a primeira vez que me deu uma chance e confiou em mim. Ela não devia, não devia mesmo ter confiado em um estranho. Eu ainda lhe tiraria um pouco dessa ingenuidade, lhe ensinaria tudo e nunca mais seria a mesma. Nem eu. Só que isso eu não sabia…
Parti correndo pela rua. Ninguém me impediu.
Há decisões que são gaiolas da onde não vamos sair e outras que são gaivotas livres sobre um oceano infinito. Eu tinha ganhado asas. Eu faria aquela garota voar comigo.
E nunca mais aterrisamos desde aquela noite, planamos sobre a mais louca relação que desestruturou minhas mal construídas colunas de certezas.
Quando cheguei em casa, tomei banho e ouvi meu celular tocar. Abri o box e franzi a testa. Sequei-me e peguei o aparelho, que tinha uma mensagem. Sorri, era Jade, uma ovelhinha loira, doce e indefesa querendo falar com o lobo.
“Não precisa fazer nada disso, pode só guardar a foto?”
“O quanto você precisa ser falada?”
“Eu não quero usar métodos errados, cara.”
“Você não sabe nada de métodos, Jade.”
“Não pode me conhecer pelas revistas…”
“digitando…”
“Como é que estou falando com você?!”
“Vá dormir, Jade, você não pode ter olheiras.”
“Falou como meu assessor.”
“Eu já estou cuidando de você desde que te olhei.”
“Você disse que era gay.”
“Porque acha que todo mundo quer seu corpo?”
“Não?”
“Eu não! Quero negócios. Só.”
“Vou dormir, sério, não quero ter problemas.”
“Só vai ter o problema de ficar mais famosa.”
“Eu to perdendo espaço…”
“Primeiro, não diga isso a desconhecidos. Segundo, não diga isso a você. Terceiro, não diga isso alto. Não pode merecer ganhar se não acredita em si.”
“É fácil falar, vem viver meu mundo.”
“Já é um convite?”
“Não…”
“Divide seu mundo comigo que a metade é mais leve.”
“Você é gay mesmo, completamente?”
“Sou. Só negócios.”
“Eu não conheço você.”
“O que importa é o que posso fazer. Minha identidade não fala sobre isso.”
“Vamos ver…”
“Durma, durma, minha protegida, foi a última noite que dormirá sem alguém velar por você.”
“Você é louco”.
“Você nunca viveu a palavra loucura. Espere.
Paramos de mandar mensagem e eu tinha que pegar meu computador para trabalhar. Eu precisava abalar o mundo de uma jovem pop star perdida.
Eu a encontrei. Ela é sortuda. Eu também. Você também. Porque não vai acreditar na nossa história.
Sorri, digitando rapidamente no teclado, só de toalha, ainda com pingos escorrendo nas costas.
Ela vai acordar no inferno, gritando meu nome.
Ri, isso era muito excitante.
Li, isso tá um arraso. Quando vem o próximo Capítulo?