15. Essa é a minha vez. (Mike)

5/04/2015
Eu tinha que enfrentar os olhos de vovó, quando chegasse em casa, mas, gostaria de entrar, passar por eles e por mim também. Ficar só meu eu interior machucado e traído de baixo do lençol e apagar por alguns dias. Girei a chave na maçaneta e a vi sentada na sua poltrona fazendo crochê com a pequena agulha. Não se levantou sobressaltada, como imaginei, me metralhando de perguntas. Havia alguma chance da TV ter quebrado, de nenhuma vizinha ter batido na porta e eu conseguir passar em silêncio para o meu quarto?
-Oi. -cumprimentei-a e coloquei a chave na mesa da sala. Ainda esperei por alguns segundos, sem olhá-la para que meu semblante não me traísse. Vi ali uma garrafa de café e um bolo. Sim, ela sabia e queria me animar, posso prever…
-Tome um banho, filho. -mandou e aceitei, sem mais. Bati a porta do quarto e senti os ombros relaxarem e o peito se curvar.
Caminhei nú para o banheiro, deixando as roupas caírem peça a peça no chão atrás de mim.
Nunca tive vergonha de dançar nem no clube, nem nas festas. Mas, tive muita vergonha de aparecer na TV como o cara apaixonado pela atriz famosa que o traiu descaradamente com o seu colega de cena. Ou eram mais que colegas?
Ali sob o chuveiro entendi que o que me incomodava era um sentimento mais tirano e profundo. E não se chamava orgulho, se chamava ciúme.
O problema não eram só aquelas vozes me perguntando se eu era corno, era olhar para a garota por quem sou apaixonado e vê-la me preparar para saber que realmente tinha acabado dando uns beijos em outro cara. Não dá para achar que é só coisa de “libertinagem no mundo artístico”! Eu falei que a amava e isso é realmente longe para mim. Longe demais para voltar atrás. Mesmo que eu mentisse para ela que estava bem, que iríamos impor muros altos a partir de agora, dentro de mim, tudo em relação a Jade ainda mexeria com meus hormônios e meu coração.
Corro o risco de perdê-la para mais um outro idiota, se realmente levar a distância como um plano sério. Essa distância é para me proteger e, não, a ela. Pela primeira vez começo a pensar em mim primeiro.
A traição fez mudar o foco na minha estratégia. De repente, não seria a Jade que me ajudaria com o salário que me pagava a mudar a minha vida financeira e profissional. Eu mesmo tenho que buscar um trabalho maior. Arriscar mais.
Desliguei o chuveiro parando de me sentir só derrotado e começando a reacender a chama do desejo de vencer.
O banho renovou também meu aspecto de quem está sem dormir e comer direito há tanto tempo. Volto pra sala um pouco mais disposto para enfrentar a minha avó.
Comi o bolo e tomei um pouco de café. Ela, então, levantou-se e passou as suas poderosas mãos nas minhas costas e ombros com carinho até chegar a minha nuca. Não sei que botão apertou, de repente, em mim e como teve acesso a ele, mas, meus olhos se encheram de lágrimas e a garganta travou. Não deixei a lágrima cair, olhei para o alto e esperei que secassem onde começaram a surgir sem qualquer autorização.
Bebi o café e respirei fundo, ainda sentindo seu carinho maternal e amoroso, delicado e constante.
-Pare de ter pensamentos ruins. -disse-me ainda nas minhas costas. -Fica atraindo quem não deve para perto e acaba seguindo ideias erradas. -aconselhou e imaginei que estivesse falando de maus espíritos errantes. -Mas, você é guerreiro e vai sair dessa. -beijou minha cabeça e me virei para abraçá-la com meus braços grandes e estupidamente fortes ao redor da sua frágil cintura que envolvi. -Ahhhh, Mike, você deseja conquistar o mundo inteiro…- acariciou meus cabelos para trás. -Não basta nada pequeno para você. -deu tapinhas nas minhas costas. -Foi gostar logo dessas garotas de Tv…
-Eu sei…
-Você acha que ainda vai trabalhar com ela?
-Sim, vou. E vamos sair dessa casa e dessa vida. Quero ver a senhora num lugar melhor e com um plano de saúde que merece. -disse abruptamente e entendi o quanto aqueles objetivos eram mais forte que tudo. -Eu prometo isso.
-E sua felicidade?
-Não sei se conseguirei as duas coisas. Mas, não havia felicidade antes de eu começar. Então, eu vou manter o meu objetivo de crescer e tirar desse lugar simples.
-Eu não estou te cobrando isso… Quero a sua felicidade primeiro.
-Não tenho todo o poder de escolha, mas, posso decidir qual é o meu foco.
-E qual é?
-Nessas circunstâncias que deve ter visto na TV? Eu quero tirar a gente daqui e vou. -levantei-me e a olhei de cima. -Procure não acreditar em tudo que vai ver nos programas de TV e nas bancas de jornal. Se puder enfrentar isso por mim, te garanto que vamos ter um ano que vem muito melhor…
-Não se destrua para conseguir isso.
-Só se alguém derrubar o muro de rochas onde estou atrás.
-Eu tenho medo de você, rapaz. -apontou, sorrindo para mim.
-Eles também terão.
-Eles quem?
-Toda essa mídia que acha que sou apenas um coitado corno. Eles vão ver.
-Toda força que é movida pela vingança não leva para lugares bons, Mike.
-Eu gostaria de ter outra força, vó. Mas, essa é a que tenho agora. Vamos ficar bem. -sorri e beijei sua testa.
Foi um pouco mais fácil que pensei, não levei sermões longos de condenação, como imaginava.
Dormi na cama até o despertador me acordar e puxei o celular para saber se havia recebido a resposta para o SMS que eu mandara para a produtora do Filme de Jade. Sim, ela aceitava se encontrar comigo para um café. Acho que qualquer um estaria curioso para falar comigo. Eu estava no foco da mídia e iria aproveitar isso. Ótimo! Pulei da cama para tomar um outro banho e vestir a melhor roupa.
(…)
-Mike? -ela cumprimentou-me alegre e com um riso nervoso de mulher levemente excitada com a minha presença. Talvez, pensasse que eu não perceberia, mas, posso dar conta da diferença de cada gesto de uma mulher. Afinal, meu trabalho noturno me ensinou muito sobre as reações femininas.
É uma trintonha sexy, divertida e sem namorado, que dá toda sua energia para a carreira e deixa a vida pessoal de lado, mesmo que diga o contrário: que é injustiçada no amor. A maior parte das mulheres que se diz relegada de atenção pelo cupido, na verdade, não está lutando pelo contrário. Joga a culpa ao destino, quando seu foco é outro: trabalho.
Sei disso tudo sobre Giovana, porque já havíamos almoçado para negócios, tomamos cafés entre gravações e, claro, vasculhei todas as suas redes sociais hoje de manhã. Não se pode negociar com quem você não sabe quais são os pontos fracos, claro.
-Como está Jade? -perguntou-me e esperei que a pergunta fosse sobre mim. Ok, isso é coerente. Ela acha que vim aqui como o assessor da atriz principal do filme.
-Está descansando. Sabe como é, muitas emoções. -sorri e pedi um café com uma cesta de pães para o garçom.
-E você como o homem de ferro. -comentou.
-Algumas pessoas nasceram na condição de chorar, outras não podem perder tempo. É o nosso caso.
-Nosso? -franziu a testa.
-Nosso. -repeti. -Você precisa terminar um filme em que o ator acabou de morrer e eu preciso que você conclua o filme, porque a Jade está nele.
-É verdade, mas, estão todos abalados com isso e nem sei quem escolheremos para substituir. O pior é que qualquer passo agora pode parecer precipitado e desrespeitoso com a família. -comentou. -Como se pudéssemos perder esse tempo. -falou baixo para caso as pessoas que nos olhavam, parecendo me reconhecer, pudessem nos ouvir.
-E se vocês já achassem e guardassem o nome num envelope em segredo. -joguei no ar e ela voltou a se recostar na cadeira.
-Ah! Então, você me chamou aqui por que tem um nome. Não me diga que está assessorando dois atores? Você vive, come, dorme e faz sexo, rapaz?
Acredite, além de tudo, eu ainda danço quase nú. Imagine se eu conto isso a ela bem ali? Segurei o sorriso.
-Sim, eu tenho um bom nome para fazer o filme não ser só um filminho e, sim, se transformar num filme realmente para dar o que falar na mídia espontaneamente.
-Só se você trouxer o espírito dele pra voltar a atuar. -riu, sussurrando e depois bateu na boca. -Deus, me perdoe, foi uma brincadeira infame!
-Eu resgatei o e-mail com o roteiro e já reli rapidamente essa manhã. Temos como aproveitar todas as cenas onde o príncipe não aparece. E, felizmente, as cenas dele não são, na sua maioria, externas, o que é mais barato regravar. -comecei a preparar um terreno promissor em sua mente para acatar a minha proposta. Interrompi o raciocínio para receber a cesta de pães e o café, que chegaram muito rápido. Fiz uma pausa de alguns segundos para colocar açúcar na minha xícara.
-Vamos ter que regravar de qualquer forma, seja barato ou seja caro. -deu de ombros. -Quanto trabalho perdido.
-Se vocês fizerem um filme melhor do que já estava pronto e com mais mídia do que o anterior, valerá mais a pena.
-Ok e qual a sua grande ideia? Chamar um ator de Hollywood e estourar o orçamento? -riu e passou manteiga em um pão.
Jade deveria estar dormindo agora e se sentindo a garotinha mais injustiçada do mundo. Mas, espero que ela durma muitas horas a mais hoje, para se recuperar do mesmo choque de Giovana agora com o que vou contar.
-Eu quero participar do teste. -disse-lhe. -Me testem e tenham a sua própria opinião.
-Vo-cê? -quase gritou, olhou para os lados e para mim. -E desde quando você sabe atuar?
-Eu já fiz curso de ator na adolescência e posso surpreender vocês.
-Mas, Mike, o ator tem cara de mais novo.
-Nada que uma maquiagem e roupas não mudem. Na época das princesas, os homens era mais velhos e fortes. -pisquei e riu, nervosa pelo charme e pela ideia sedutora. -Pense, porque não ampliar o público infantil para o público das mães. Até aquelas que não pensariam em levar suas filhas para ver o filme, levarão… E, ainda tem a cereja do bolo: o público vai ver o casal traído sendo um par no filme… Isso daria tanta mídia que nem a assessoria de vocês poderiam dar conta…
Bebi meu café, enquanto o pão continuava parado em sua mão. Sua cabeça devia fervilhar a mil por hora.
-Não posso garantir que vão acatar a sua ideia.
Então, ela já assumira a chance de me indicar?
-Jade sabe disso?
-Claro que não. -ri e ela riu junto.
-Não quero vê-la enlouquecida gritando no estúdio quando apresentarmos você como substituto.
-Ela não tem que gritar, é o que você mandar e pronto.
Giovana gostou da vaidade do poder que lhe conferi. Mulheres adoram ser mais fortes que as outras.
-Mesmo assim, ela vai gritar e se estrebuchar no chão.
-Então, terá que levantar e atuar comigo.
-Isso me cheira a vingança.
-Aqui nessa mesa são negócios. -apontei para o tampo da mesa, batendo com o dedo indicador. Não queria que achasse meu ponto fraco. -Mas, repito, podemos fazer um teste e só me admitam se achar que sou bom. Tem o benefício de acharem o candidato enquanto o caso ainda está na mídia.
-É a proposta mais louca que eu poderia ouvir, mas, pode ser interessante. Os jornalistas vão pirar quando souberem.
-Eu espero que as pessoas lotem os cinemas. É isso que querem de nós: que pensemos em como ganhar mais dinheiro.
-Não posso acreditar que é totalmente frio assim, Mike.
-Você não está falando com o Mike, mas, com um cara de negócios. O que eu sinto e penso não está sendo negociado aqui…
Ela comeu seu pão e se sentiu um pouco decepcionada. Era duro ver um homem bonito na sua frente que parecesse cruel. Fazia com que eu caísse no seu conceito de príncipe da sua vida real. Mal sabia que isso também era pensado. Não quero ser julgado por ter passado no seu teste do sofá.
-Vou propor, mas, você faz os testes.
-É como eu mesmo propus desde o começo. Só precisamos ser muito discretos.
-Claro. E eu não garanto que eles vão aceitar chegar a fase dos testes.
-Nada que você não ajude lembrando que precisamos de mais bilheteria para recuperar o investimento extra que será investido nas gravações.
-Vão argumentar que você é uma opção delicada.
-Na verdade, o que você vai dizer é que para a opinião pública eu sou o cara que foi deixado para trás e que a verdadeira história de amor foi entre Jade e eu e, não, entre Jade e ele. -disse-lhe muito baixo.
-Você quer tomar totalmente o lugar dele, não é? Está preparado para receber essa chuva de críticas?
-Deixe que eu enfrento a mídia e você fica com os diretores.
-É uma bomba relógio que não saberemos o resultado. Podemos achar você muito bom e o público considerá-lo um oportunista. Como prever?
-O que o público pensa? E se entregar ao público a decisão?
Isso me ocorreu agora. Era uma jogada arriscada, mas, porque não usá-la, se o receio deles estava contra mim?
-Começo a gostar disso…
-Vamos fazer um teste em off. Se gostarem e acharem que tenho chance, propomos a um grande programa de auditório uma seletiva de atores para o filme, onde eu vou participar. O público terá como votar por telefone.
-Ah! Ótimo, ai a gente acaba ficando com um ator ruim que mandou a cidade inteira votar nele… -irritou-se em pensar numa opção que poderia ser ainda mais inesperada.
-E se houvesse uma banca julgadora e o peso da votação do público fosse como mais um jurado?
-Você tem tanta certeza assim que pode ganhar?
-Você lida com os atores, Giovana, eu lido com o que o público pensa. O especialista neles aqui sou eu.
-E está certo de que é melhor do que qualquer ator que subir no palco para competir com você?
-Me esforçarei mais que eles.
-Mal consigo pensar nesse recorde de audiência. -riu e isso começou a fasciná-la.
Era nesse astral que eu queria elevá-la.
-Onde você quer chegar, Mike? -perguntou.
-Eu quero só trabalhar e ganhar o que eu merecer.
-Podem interpretar que você usou a Jade para subir.
-Vamos sempre interpretar alguma coisa sobre nós, porém, a caneta está nas nossas mãos e, não, na de quem nos julga. Então, levemos a ideia adiante porque podemos nos surpreender com os resultados.
-Não posso garantir nada, mas, tentarei. -apertou a minha mão na despedida e a puxei levemente para beijar seu rosto.
-Não vou decepcioná-la. -sussurrei e espero que isso tenha mexido com todo seu inconsciente de frustrações.
Não liguei para Jade nos próximos dias que se passaram e ela não me mandou mensagem. Eu sabia por sua mãe que estava calada, vendo TV e comendo, sem sair de casa. Isso era suficiente para me deixar tranquilo.
Eu não previ chegar até neste ponto quando comecei. Minha ideia era apenas ser seu assessor, ganhar um bom salário, comprar um apartamento novo e dar uma vida confortável para minha avó que me criou. Claro, não precisar mais dançar no clube e poder fazer uma boa poupança.
Mas, me apaixonei pela minha assessorada, fui traído e chamado de corno em cadeia nacional. Agora precisava virar a banca. Não posso ser chutado para escanteio no próximo ataque de capricho dela e não pensar em mim.
Vou concorrer a esse papel com o meu talento, passar nessa prova, ganhar o voto do público e trabalhar duro como qualquer ator. Se eu não for ousado por mim, ninguém será.
Posso correr o risco de ser julgado como um frio por quem não conhece a minha história e meu desejo de vencer pelos meus esforços. No entanto, eu tenho que buscar os meus objetivos e não ter medo de quem vai me atirar pedras.
Recebo o telefonema de Giovana enquanto estou me preparando para subir no palco da danceteria.
-Mike, tenho a data para o seu teste.
Dei um soco no ar em silêncio e passei a mão na cabeça, comemorando sem deixar isso transparecer para a minha voz.
-Ok, que dia e hora? -perguntei, tentando parecer o mais frio e profissional possível.
Desliguei e guardei meu telefone no armário.
-O que está comemorando ai? -Marcos perguntou, passando uma cerveja para mim.
-Vou concorrer a um papel no filme da Jade. -falei-lhe baixo e bateu a cerveja na minha garrafa.
-Essa máscara que está usando não vai ser suficiente. Vai precisar sair do clube quando ficar mais famoso. -disse-me.
-É o que quero mesmo. -dei de ombros.
-Eu me formo daqui alguns meses e isso aqui está de dias contados também. -deu um soco contra o meu punho fechado e comemoramos.
-Por enquanto é segredo. -disse-lhe.
-Jade já sabe? -perguntou.
-Não. Ela vai saber no dia.
-Isso é bom?
-Ela também não me perguntou se era bom eu ser corno.
-Eu adoro você como amigo, mas,não queria como inimigo.
-Eu não sou inimigo dela. Pelo contrário, depois da humilhação pública eu só a apoiei. Nem amigo faz isso, só um irmão. -bebi minha cerveja.
-Mas, ela não quer um irmão, ela quer você como um namorado, não?
-Beijando outro cara em festinhas?
-Ela tá ferrada na sua mão. -riu alto.
De repente, eu via o mesmo olhar de reprovação de Giovana em Marcos. Eles não conseguiam acreditar.
Eu amava Jade. E eu queria também lutar por meus desejos e chegar a ter uma vida melhor. Não ia trapacear para ganhar um salário melhor. Também estudaria os roteiros, passaria dias contracenando até não ter mais força física. O que os outros tem mais nobre do eu?
-Mesmo assim, um conselho de amigo, prepare a Jade para isso. Até porque se ela é a atriz principal, deve ser a primeira aliada a defender sua ideia. -Marcos mostrou-me esse ponto de vista e como bom futuro advogado ele também conhecia a arte de trazer o júri para seu lado.
Estavam certo. Eu tinha que contar a Jade e não deixá-la pega de surpresa, porque isso me atrapalharia.
Desci do palco de tanga, tatuado por mãos que me alisaram completamente essa noite e que ficarão órfãs em breve. Não quero mais ser alisado por desconhecidas. Serei um homem mais caro para terem meu tempo e meu corpo.
Encontrei uma mensagem de Jade no celular e senti um frio na barriga. Já deviam ter lhe dado a notícia e não sei o quão completa fora. Pelo visto, só devem ter passado dia e horário também, porque me avisava “Já marcaram novos testes para achar o ator substituto para o filme”. Se ela soubesse o quanto trabalhei, deixei meus sentimentos de lado para chegar até aquele ponto. Respondi: “Estarei lá com você. Te busco”. Retornou com “Ok.”
Eu não escolhera se contava no carro ou quando chegássemos. Deixei para decidir na hora, porém, quando Jade entrou com seu perfume, os cabelos úmidos, o vestido florido e sandálias como se fosse a um piquenique, irradiando aquela juventude de garotinha do figurino escolhido, me deu medo. Sua fragilidade tinha um poder enorme sobre mim.
-É a primeira vez que saio de casa. -comentou, olhando a janela atrás dos seus óculos escuros.
Não comentei nada. Era preciso pensar nas palavras.
-Será estranho fazer o filme com outro ator… -ela estava pensando alto e isso piorava tudo para mim.
Senti ciúme da sintonia que tinha com o falecido. Ela também guardaria lembranças marcantes comigo? De repente, estávamos perto de entrar em outro tipo relação de trabalho.
Chegamos ao local do teste, que era um estúdio de gravação e eu ainda não tinha aberto a minha boca.
Rapidamente ela foi recebida pelo diretor e me deu um desespero que alguém abrisse a boca antes de mim.
Não posso ser covarde com ela. Tenho que jogar limpo e ser o primeiro a contar. Pego sua mão e isso a assusta. Olha para seus dedos, depois para mim com a testa franzida.
-Você não queria tomar água? -lhe pergunto.
-Ãnh, sim. Gente, dá licença. -ela sorri e lhe puxo para uma mesa de café e biscoitos. -O que houve?
Penso que ali ainda não é o melhor lugar, pois, alguém pode ver sua reação de choque. Será que vai gritar e dizer que foi traída por todos? Olho para os lados e vejo uma outra sala menor à nossa esquerda. Pego sua mão novamente e a puxo para lá. Começa, então, a ficar mais desconfiada e tensa.
-Mike, o que está acontecendo?
Fecho a porta atrás de nós e ela olha ao redor pra ver se está segura, como se esses dias a tivesse feito refletir que eu poderia ser um perigo. Eu nunca lhe faria mal, quando tudo que eu acabava fazendo por extinto era protegê-la.
-Jade, é bom que você saiba que…
Decidi que eu seria breve, objetivo e frio. E, independente do quanto ela pensasse só nela, eu iria em frente e, sim, lutaria pelo meu espaço em ser ator. Eu pensaria em mim. Só que, por um segundo, eu também tinha tristeza por saber que isso seria capaz de nos separar para sempre. Não deixei que os sentimentos se misturassem, pois, não havia tempo!
-Anda, Mike, estamos atrasados… -olhou o relógio. -Eu preciso ainda vestir aquele bolo de pano e pegar meu texto.
-Eles pensaram em mim para substituir o príncipe.
Sim, eles pensaram e refletiram depois da minha proposta. Mas, eu precisava dizer que a ideia veio de mim?
Jade congelou, não piscou, não sorriu. Será que entendeu?
-Vamos fazer o teste juntos. Isso é um problema pra você? Jade? Jad…?
-Está brincando, não é?
-É só mais um trabalho pra mim, não vejo problema.
-Não, não, Mike! Eu não vou aceitar!
-Jad…
-Mike, me ouça. -interrompeu-me. -Eles estão usando você? Não está vendo? Como você é inocente, Meu Deus! Eu estou nesse mundo há mais tempo. Você acha que sabe tudo? Não, não. Caramba, por que não me contou que colocaram você nessa enrascada?! Eu vou lá fora dizer que eu não aceito! Não podem te usar para ter mídia. -colocou a mão no meu peito. -Mike, por favor, não caia nessa armadilha! Estão te escolhendo porque querem se aproveitar da nossa história! Eu não posso deixar que te usem como eu te uso.
Essa fora sua reação? Ela achava que eu era a vítima e que precisava me proteger de qualquer jeito. De repente, eu sentia que tinha tomado um soco na boca do estômago e precisava vomitar.
Nunca imaginei tal reação em todas as cenas que monte na minha cabeça quando lhe contaria isso. Então, era melhor que eu lhe mostrasse que não fora bem assim. Porque se eu assumisse o papel de vítima que queria me vestir e descobrisse a verdade, eu nunca seria perdoado.
-Fui eu quem propus. -assumi.
Agora, sim, ela me olhara como imaginei.
Sua boca ainda ficou aberta por um tempo, depois fechou. Sua mão escorregou do meu peito e se afastou um passo.
-Por quê?
Ela queria entender?
-Porque acho que posso fazer bem o papel e que podemos formar um bom par juntos e salvar o filme.
Piscou, tentou processar, mas, já estavam batendo na porta. A assessora de produção abriu e olhou para nós.
-Jade, Mike, vamos começar em cinco minutos.
-O que você quer com isso, Mike? -aquele olhar era de quem nunca mais me respeitaria ou amaria.
-Só trabalhar, Jade. -aproximei-me da porta e me sentia mal, terrivelmente mal, mesmo que ela não imaginasse.
-Você planejou tudo desde o começo? -perguntou.
Sabia que ela me acusaria disso um dia.
-Não. -virei para trás. -Eu não planejei que daria tão certo trabalhar com você, nem que eu amaria você. Mas, eu até achei uma boa ideia, mas você foi se divertir com seu coleguinha. Eu também não planejei que ele morreria antes do filme acabar. Eu não tenho todo o poder do mundo. Eu tenho quase nenhum poder. O que eu posso fazer por mim mesmo é trabalhar. Essa é só uma chance que posso agarrar. Você acha que eu não tenho o direito de tentar?
-Você quer ter o mesmo sucesso que eu? Você quer ganhar a mesma grana que eu? Você quer tudo que eu tenho? -ela gritou e perdeu completamente a cabeça, as emoções e foi além do seu limite. -Você aprendeu comigo para roubar de mim? -berrou e acho que todos podiam ouvir. Eu torcia para que não.
Falei bem baixo e era definitivo:
-Foi você quem aprendeu a ser forte comigo. E é você quem vai ser profissional e aceitar a atuar comigo. Eu não quero nada que é seu. Mas, se depender de mim, Jade, eu vou ganhar bem mais do que você pelo meu próprio esforço.
-Traidor!
-Eu não te traí, nem roubei nada que é seu. Eu só vou lá trabalhar. Você é que está sendo uma garota mimada, medrosa e egoísta. Se alie a mim porque será melhor do que ficar contra mim.
-Você nunca me amou. -disse quando abri a porta.
-Eu não devia, Jade, porque você é muito imatura para a vida. Mas, eu ainda não deixei de te amar, o que é uma pena para mim.
-Mentira.
-Eu aguentei bem mais humilhações públicas do que eu aguentaria, se não te amasse. Eu não estou ameaçando seu espaço. Ele é seu. Você é atriz principal. E como sabe que é boa, só tem que pegar o papel e atuar. Eu não vou me vestir de princesa e falar seu texto. Eu falarei o meu. Tem espaço para todos Jade. Não seja ridiculamente egoísta e mesquinha.
Riu irônica e olhou para cima, se sentindo a pessoa mais injustiçada do mundo. Não iria me abalar. Eu passei por muita dificuldade, fome, pobreza e privações que ela nunca conheceu. Eu não estava roubando, estava abrindo as minhas oportunidades.
Caminhei para o estúdio e aceitei a roupa a túnica pesada que me ofereceram. A assistente perguntou onde estava Jade.
-Ela já vem. Está bebendo água.
Todos olhavam para mim esperando que eu fosse lá como assessor falar palavras bonitas e lhe dar carinho para estar pronta para atuar. Só que, agora, ela tinha que mostrar que era forte sozinha.
Segurei meu script que já estava previamente decorado.
Eu sabia que ela tinha o poder de dizer que não queria atuar hoje e se sentia emocionalmente ainda abalada. Ninguém ali seria maluco de arrumar uma outra atriz também. Então, esperaram em silêncio, mas, olhando os relógios.
Jade apareceu com um vestido de época escuro e o cabelo apenas preso em um coque.
Senti uma dor no peito de estar fazendo isso com a minha garotinha. Ela era tão frágil dentro daquela roupa antiga e parecia ter medo e confusão nos olhos mais do que raiva de mim. Eu devia ser um irmão que se sentia acusado injustamente, porém, o que sentia era a decepção de um pai que sabe que ela só está sendo mimada.
Aproximou-se de mim, sem me olhar diretamente e o diretor ficou ao nosso lado, preparando-nos.
-Isso é um teste, mas, eu quero que vocês se esqueçam que já trabalharam juntos. Aqui, vamos mergulhar nos personagens. -olhou-nos para ver se estávamos nessa sintonia.
-Não somos amadores. -ela falou arrogantemente, mexendo nas folhas. -Ah, desculpe. -olhou para mim, como se dissesse que errara, pois, eu era amador.
Será assim? Ela realmente quer guerra?
-Essa cena acontece no castelo, onde você, Jade, vai entrar irritada porque o príncipe passou com o cavalo por cima da horta da sua irmã.
-Eu me lembro, já gravei essa cena antes.
-Jade. -o diretor tocou seu braço e esperou que ela olhasse para ele. -Sei que você fez um filme de um jeito, mas, com outro ator tudo pode mudar. Cada um tem uma dinâmica, uma fluência sobre o personagem. Então, precisa esvaziar a mochila e começar de novo. É só um teste e terá o tempo para descansar até que voltemos de fato. Sei que é super difícil para você. E estamos muito gratos de ter aceitado. Então, está pronta para fazer?
-Sim, pronta, sou uma profissional. -disse isso mais para mim do que para ele, eu sei.
-Mike, sei que assistia as gravações, mas, não tente se lembrar como fizemos antes, coloque a sua interpretação no personagem. Você é um pouco mais velho que o anterior, então, pense em algo menos de garoto mimado e mais de superioridade, segurança, maturidade… entende? -explicou.
De repente, a palavra “mimado”, dita tão perto da acusação que eu acabara de fazer a Jade parecia pertinente. Acho que seria perfeitamente cabível eu parecer mais seguro ali. Havia ansiedade, mas, não, o nervosismo que eu esperei.
Jade se afastou para o canto do estúdio, como se simulasse sua entrada e levantou o queixo. Ali, duvidei se era a Jade querendo me provocar ou se já era a princesa.
Eu tinha que me desligar dela. Será que conseguiria fazer o mesmo de mim? Era hora do teste e ia começar.
Tenho certeza que Jade torcia para que tudo acabasse logo e eles percebessem que tinham me dado a chance errada e estavam perdendo seu tempo. Depois, ela provavelmente me despediria.
Tudo dependia daquele teste.
Todo o meu futuro.
E ela não iria me ajudar.
Eu era o único ao meu favor, como sempre em minha vida.