Blog da Li

Como a fruta dentro da casca

Blog da Autora Li Mendi de Livros de Romance na Amazon

Li: _Sabe, aquela conversa que tivemos ontem ficou na minha cabeça. Eu vou te refrescar a memória, porque a gente conversa tanto que são milhares de assuntos difusos. Sobre as pessoas serem capazes de mudar. Eu, então, acordei hoje, peguei uma xícara de café e vim para cá procurar um livro na prateleira. E me deparei com um de capa dura, dourada, de folhas já amareladas. Machado de Assis. Não te contei, mas esse livro eu ganhei em um concurso de redação que fiz para a Revista Época. Ele tem um gostinho. Mas, não é isso que quero falar. Vê, estou ganhando contigo o costume de fazer parênteses no pensamento. Isso pega! Em jornalismo (eita, vou abrir outro “parênteses”, mas é rápido!Juro!) a gente chama isso de nariz de cera. É que antigamente, no início da imprensa, as pessoas começavam a narrar um fato não como vemos hoje, partindo logo para o ponto principal. Enrolava-se no começo falando do dia, da temperatura, até informar que fulano tinha morrido em um acidente de carro, por exemplo. Lembro de um professor que me apelidou de “narizinho” como punição até eu “melhorar” o meu texto jornalístico. Ai, estou rindo sozinha. (balançando a cabeça para os lados, nostálgica).

Esse livro, “Dom Casmurro” (pronto, já vou falar dele), termina com uma citação que amo pela beleza física do pensamento. Alguns pensamentos são feitos de formas, outros conseguem encarnar uma imagem tão perfeita de ser visualizada que chegam a ser físicos!

Ele começa assim o último capítulo:

“Agora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração?” (E mais na frente continua:) “O resto é saber se Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-Cavalos, ou se foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente.” (Depois de algumas linhas, arremata:) “Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem de Capitu menina…”

Aí, ele faz o pensamento se concretizar em plenitude:

“…hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca”.

Gosto de como ele conseguiu enxergar a ação do tempo e dos fatos sobre uma pessoa: é uma fruta dentro da casca, como se o ser humano fosse feito de camadas, um dentro do outro. Quantas camadas já temos?

Falávamos assim sobre aquela questão de não podermos chacoalhar uma pessoa e fazê-la mudar instantaneamente. É preciso paciência, espera. Mas, como você me dizia, uma espera ativa, de pró-ação incessante, porém singela, discreta. Eu fiquei pensando na essência. Sabe a célula tronco, capaz de se desenvolver em qualquer órgão, porque não está especializada? Eu creio que nós, seres humanos, temos a mesma capacidade sentimental de criar novos comportamentos, a partir de uma vontade, ainda “tronco”. Por exemplo, alguém que não é romântico em nada pode encontrar um objeto do amor e criar uma capacidade de se expressar com o tempo. Aquele “eu–não-romântico” ainda vai estar ativo na pessoa, já que é um “eu-especializado”, como um órgão, não dá para mudar isso mais.

E para onde vai parar esse eu? Você entende agora a fruta dentro da casca?

Eu também já fui uma pessoa… não-romântica? Não, risos, romântica sempre fui. Eu ia dizer que já fui uma pessoa que, como Dom Casmurro diz sutilmente, me apaixonei por aquela primeira pessoa… Ele de fato sempre amou a primeira Capitu. E eu já fui muito assim: de me fixar na primeira pessoa que conheci e querer que ela sempre seja daquele modo. Oxiii, como sofri por isso. Porque a pessoa vai se alterando e você descobre que não gosta daquilo que ela se tornou, mas, quer desesperadamente que ela volte a ser o que era… Bom, nessa hora, abandona-se o barco, pula-se no mar e “Continue a nadar, Continue a nadar”, rs. Ops, desculpe, foi inevitável lembrar do Nemo! Rs. Bom, felizmente estou em outras “praias” agora…

Voltando a falar sério! Pego outro livro da prateleira e leio para você Rubem Alves, ele vai conseguir explicar melhor o que quero dizer:

_“A alma é uma coleção de belos quadros adormecidos, os seus rostos envolvidos pela sombra. Sua beleza é triste e nostálgica porque, sendo moradores da alma, sonhos, eles não existem do lado de fora. Vez por outra, entretanto, defrontamo-nos com um rosto (ou será apenas uma voz, ou uma maneira de olhar, ou um jeito da mão… ) que sem razões, faz a bela cena acordar. E somos possuídos pela certeza de que este rosto que os olhos contemplam é o mesmo que está escondido pela sombra. Amamos a bela cena, antes de amarmos a pessoa”.

Talvez por isso as mulheres reclamem tanto quando seus namorados deixam de fazer isso ou aquilo. Porque é impossível voltar a ser igual quando se tem uma bela cena na memória. Vamos amar a cena e querê-la de volta. Mas, é ruim demais (!) quando queremos uma cena que vemos em algum lugar que sabemos: não é ainda nossa!

Lucy: _Ah, Eli. Essas reflexões são muito difíceis porque trazem melancolia ao nosso coração. Eu consigo entender muito bem a idéia da fruta dentro da casca. Metaforicamente, cada pessoa é uma fruta que o outro descasca com suas atitudes, gestos, seu amor. Se souber fazê-lo no tempo certo, o que encontrará será algo bom. Se não, só encontrará um fruto estragado. E, ainda, há um jeito específico de descascar. Não sabemos como é, por isso vamos tentando de todas as formas até conseguirmos. Erramos bastante, mas, diferente de um cofre cujas tentativas máximas são três, temos um tempo maior. Um tempo que é dado pela pessoa e por nós mesmas.

“Tudo neste mundo tem seu tempo;
cada coisa tem sua ocasião.
Há um tempo de nascer e tempo de morrer;
tempo de plantar e tempo de arrancar;
tempo de matar e tempo de curar;
tempo de derrubar e tempo de construir.
Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar;
tempo de chorar e tempo de dançar;
tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las;
tempo de abraçar e tempo de afastar.
Há tempo de procurar e tempo de perder;
tempo de economizar e tempo de desperdiçar;
tempo de rasgar e tempo de remendar;
tempo de ficar calado e tempo de falar.
Há tempo de amar e tempo de odiar;
tempo de guerra e tempo de paz.”
(Eclesiastes 3, 1-8)

Diante disso, resta-nos perguntar a nossos corações o quanto estamos dispostos a esperar. A transformação das pessoas é um processo lento, não um ou dois dias, meses (quase como uma novela mexicana). São anos de adaptação. Como os meninos na EsPCEx. Mas, no relacionamento, demora um pouco mais porque é algo subjetivo demais para ser facilmente modificado, melhorado. É preciso ser paciente e amar incondicionalmente. Como a dona Fabíola disse (Livro UCeG, cap. 61): é amor.

É interessante ver a mudança ao longo do tempo. Um dia, ele te surpreende tomando atitudes que, antes, eram inimagináveis para ele. Lembro-me do filme “Um Amor Para Recordar” que mostra bem essa situação. Contudo, passa o tempo, algumas coisas esfriam, outras esquentam e tudo caminha como as ondas que aumentam quando a pedra bate na superfície da água. Deixando coisas para trás, alcançando o que está à frente, muito além da visão. Sentimos saudade de detalhes do passado e amamos os detalhes que desabrocham.

E nesse caminhar, só não vale esquecer que o relacionamento é como um jardim que precisa de água. Se paramos de nos interessar por ele, acaba por secar e morrer. As pessoas podem acabar acomodando-se, pensando “já está conquistada”, mas não é assim. Muitos casais dizem que seu relacionamento dura por se apaixonarem todos os dias. Tudo na vida precisa de manutenção, desde fazer as unhas até manutenção de carros. Tudo precisa de cuidado diário, porque cada dia é diferente. Cada nascer do sol é um recomeço, então, tudo se faz necessário novamente. É um eterno recomeçar e reconquistar.

O ruim é quando não há o cuidado. Esperam-se atitudes da pessoa e ela não faz. Desanimamos. O outro também. E daí, tudo se desgasta. Os ânimos cansam da mesmice. Nesse momento, devemos exercitar nosso amor. Não desistir só porque o outro desistiu. Um casal é para isso: um apóia o outro. Quando um tropeça, o outro sustenta. É preciso dizer algo óbvio: o relacionamento é especial, não por ser militar, mas por ser amor. Não é um sentimento comum, corriqueiro, descartável. Os amores não são iguais.

Eu creio que falta uma visão ampla do que seja relacionamento. As pessoas estão perdendo o feeling para isso. Um relacionamento romântico é aquele “algo” a mais. São amigos que se beijam, companheiros que se conhecem tão bem que completam frases e pensamentos um do outro. Quando um se afasta, o outro precisa buscá-lo. E vice-versa. É uma comunhão de idéias, pensamentos, corpos, almas. Tudo num só.

Não podemos impedir o desenvolvimento do outro, mas incentivar. Dentro da idéia que você falou, de fixar na cabeça que gosta de determinado jeito de ser, precisamos mesmo liberar isso. Dar liberdade para que o nosso amor se construa e reconstrua. Reinvente-se. Reapresente-se a nós. É a chance que damos de ter alguém melhorado e de nos melhorarmos também, diante das novas atitudes, da nova pessoa ao nosso lado. Mesma essência, atitudes melhores (ou tentativas melhores). Não somos perfeitos, porque exigir perfeição? Devemos exigir, aliás… devemos, apenas, esperar por amor verdadeiro. Se houver, o que vier é lucro. Porque o amor só te proporciona o que ele tem de melhor.

Por fim, não quero passar lições de vida, ou contar historinhas, mas dizer que é possível colocar em prática, tornar tudo isso um exemplo de vida. Eu sei que não é fácil, claro. Eu, por exemplo, sou alguém que busca todos os dias o discernimento e a sabedoria. Depois de anos de relacionamento, pasmem, ainda não cheguei nem ao que se considera “mediano”. Mas, sou brasileira e não desisto nunca. Aliás, eu amo e tenho consciência do valor desse amor, por isso… não desisto nunca.

(2) Comentários

  1. ana diz:
  2. ana diz:

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