Blog da Li

Como se fosse a última vez

Blog da Autora Li Mendi de Livros de Romance na Amazon

Lucy:

_No início das férias escolares, li “O Diário de Anne Frank” e fiquei impressionada com a maturidade daquela criança judia que passou dois anos da sua vida escondida dos nazistas. Morreu aos 15 anos.

O contraste é impressionante. Antes e depois de esconder-se.

Comunicativa, tagarela, cheia de vida e amigos, muito paquerada (e paqueradora também). Uma criança, como todas as outras, exceto pelas privações que os judeus já passavam naquela época. Esse é o perfil da Anne antes do Anexo Secreto (nome dado ao esconderijo). Depois, o que eu vi foi uma criança aprendendo a lidar com adultos, vinte e quatro horas por dia. Buscando passar por cima do próprio orgulho para evitar discussões, já que a maioria recaía sobre si. Recebendo crítica de todos, especialmente da mãe do rapaz por quem se apaixonou. Quem diria? Nem era sogra e já pegava no pé da garota! Nem chegou a ser sogra efetivamente.

Ela viveu em uma época muito difícil, em circunstâncias antipáticas e cheias de restrições que, para uma criança, são torturantes. Em vários dias (não são um ou dois, são vários), ela lamenta não poder sair às ruas para brincar. Sofria de uma angústia da qual não sabia a origem e, para mim, era a solidão e falta de liberdade. Apesar dos pais e da irmã como companhia, eu creio que ela buscava alguém que compartilhasse de suas idéias. Era uma garota com opinião própria, visão personalizada do mundo, não tinha papas na língua e, por isso, ouvia poucas e boas dos que moravam no Anexo. Mas, não do Peter Van Dann, que se apaixonou por ela.

Passaram bons momentos juntos, mas Anne chegou à conclusão de que não o amava. Também, pudera, ele ainda não possuía um discernimento como o dela. Não que ela fosse melhor, era apenas diferente, menos falante. Eu percebi que, apesar do Peter não ter exatamente as mesmas opiniões, ela gostou dele. Ele a protegia, estava junto dela para conversar sobre tudo e nada. Minha opinião é: ela precisava de um companheiro. Alguém para cuidar dela, ouvir e falar, compartilhar, aprender e ensinar. Ela chegou a comentar algo que me fez pensar nisso, que ela não queria apenas ensinar, mas também aprender.

Anne estudava muito, era uma das poucas atividades permitidas. Qualquer barulho poderia ser ouvido lá fora, era perigoso. Havia um horário limite no fim da noite para cessar as atividades e dormirem. Ela precisou dividir seu quarto com um adulto, dentista, que também lhe apurrinhava por causa da mesa que havia lá. Ambos precisavam dela para algo e era difícil negociar com ele, mas Anne tentou e foi até bem compreensiva (para uma garotinha negociando com um marmanjo barbado).

Depois da mudança para o Anexo, ela entrou em um momento de reflexão interior. Não, não houve sessões de ioga ou relaxamento terapêutico. Ela começou a confrontar seus defeitos e qualidades, aprendendo a lidar com um e outro à medida que precisava. Aprendeu a controlar seu orgulho, que dominava a língua na hora de responder às injustiças que sofria, e entendeu o poder das palavras e o porquê de pensar duas (três, quatro, cinco) vezes antes de dizer algo. Passou fome e teve que aprender a comer por necessidade, e não por prazer. E passou a admirar mais a beleza da natureza, deu valor ao sol, ao aroma das flores e à liberdade. Falava constantemente da grandeza que é a obra de Deus. Ela sabia o real valor, justo ela, que não poderia desfrutar.

Creio que ela passou por um campo de concentração tão difícil quando Auschwitz: o Anexo Secreto com todos os seus moradores. As expressões social e mental são tão dolorosas e difíceis de superar quanto a dor física. O ataque físico é direto, objetico e sabe-se de onde ele vem. A tempestade mental te tira do chão e, ainda que esteja com os pés firmes em terra, não se sabe bem onde se está e quem se é. Anne se descobriu psicologicamente e emocionalmente naquele Anexo porque Deus precisava que ela fosse forte para agüentar Auschwitz. E ela, involuntariamente, se preparou muito bem, superando medos e tornando-se, psicologicamente, mais firme em suas convicções e melhorando suas atitudes para com as pessoas. Não deu tempo de aprender tudo o que se precisava, mas foi um “intensivão” digno de primeiro lugar no ranking! Ela se superou no que pôde, enquanto esteve ali.

E, finalmente, chego ao ponto que gostaria de falar: o ser humano só dá valor ao que tem quando perde. Já ouviu isso? Eu também, várias vezes. Uns aprendem com os erros dos outros, a maioria só aprende pela dor. Ela acabou aprendendo pela dor a importância de todas as coisas, não apenas da natureza e da liberdade, mas do silêncio, da humildade, do companheirismo, da comida… de tudo. Foi uma experiência reflexiva e edificante ler o seu diário porque eu pude ver realmente o que a maioria das pessoas me falava em pensamentos filosóficos. Era algo do tipo…

“Você reclama de barriga cheia. Tantas pessoas que não têm o que comer, outras que não podem andar ou falar, e você é perfeita fisicamente e perde seu tempo lamentando-se por besteiras.”

Quando li esse livro, eu estava triste com várias coisas. Parei. Refleti. Olhei-me por completo e disse à garota do espelho: “Você não tem problemas, é linda e saudável. O que você quer mais?”. Então, acabou-se a tristeza por causa de qualquer coisa que não tem sido do jeito que eu gostaria. Simplesmente, pensei assim: “Anne estava com 13 anos quando começou a olhar a vida por outro ângulo e a enfrentar seus problemas de cabeça ergüida. Eu tenho quase o dobro dessa idade e estou reclamando feito uma criança mimada. Eu não sofri nem metade das coisas pelas quais ela passou. Tive minhas tempestades na vida, mas Deus não dá fardo maior do que os ombros, mais pesado do que suporto. Está na hora de mudar”. Ela mudou suas atitudes, passo a passo (à conquista do espaço e do espelho), e teve momentos de felicidade e tranquilidade em meio à tribulação. Eu posso fazer o mesmo e ser feliz. Foi isso que decidi.

E, desde então, eu mudei. Não foi algo simples como cortas as unhas (uma comparação bem feminina e meiga, como nós). Corta-se e ela não está mais lá. Não. Foi um “fazer as unhas” completo. Cortando atitudes, externas e internas; lixando as bordas do novo jeito de pensar para adquirir uniformidade e beleza suave; limpando conceitos nos cantos da mente e do coração; colorindo um novo visual e expondo-o ao mundo com orgulho do trabalho feito.

Foi, e está sendo, um trabalho diário e, apesar da minha facilidade em adaptar-me e mudar, há detalhes que são difíceis de controlar a mudança. É um hábito que precisa ser praticado até que torne-se automático. Como, por exemplo, beber água natural. Há pessoas que só matam sua sede com água gelada e sentem agonia de beber água natural. Outras sentem um choque térmico acompanhado de calafrios pelo corpo todo ao colocar um pouco de água gelada nos lábios. Eu fui o primeiro tipo e, hoje, sou o segundo. Parece algo simples, e é, mas eu comecei pelas pequenas coisas, porque é delas que surgem os princípios para que se façam as grandes. E, vejam só, comecei com a mudança da temperatura da água e hoje, mudei o meu temperamento! Agora, diga-me: o primeiro passo precisa ser grande?

Hoje, sofro tão pouco. A dor não me derruba mais. Meus joelhos vão ao chão não mais para chorar e lamentar, mas sim, para louvar a Deus e pedir-Lhe ajuda. Porque eu, finalmente, estou levando a sério o que Ele me falou através de um dos apóstolos: “Faça a sua parte e o mais Eu lhe darei”. Estou fazendo minha parte. Não sou “outra mulher” (como as pessoas costumam dizer), na verdade, sou a mesma Lucy. Continuo sendo um ser humano imperfeito. O que mudou foram os olhos do coração, voltados agora para o Alvo, em busca da santidade, e dizendo aos problemas, do fundo do meu coração transformado e confiante: “Eu tenho um Deus Soberano”.

Parênteses: não desmereço nenhum dos outros moradores do Anexo, pois creio firmemente que, como Anne, todos fizeram sua parte para contribuir com a boa convivência por ali. As duas famílias, Frank e Van Dann, o senhor Dussel e todos os que por ali passaram fizeram o que possível para que houvesse um clima, no mínimo, aceitável. Você não tem idéia do quanto é ruim estar preso dentro de uma casa, com pouca liberdade, cheia de regras e críticas, pessoas alteradas emocionalmente e tendo que lidar umas com as outras, defeitos e qualidades… e tudo isso com a, frágil, esperança de um dia sair dali e viver bem novamente. Ainda mais, havendo o risco de serem encontrados, levados para os campos de concentração e mortos. Não fazemos idéia… ou, talvez, alguns de nós tenham uma ligeira noção das circunstâncias, não é?

Li:

_ Eu também já li esse livro, faz muito tempo. É famosíssimo e cheio de lições. Gostei muito das coisas que você disse: “Cortando atitudes, externas e internas; lixando as bordas do novo jeito de pensar para adquirir uniformidade e beleza suave; limpando conceitos nos cantos da mente e do coração; colorindo um novo visual e expondo-o ao mundo com orgulho do trabalho feito.”

Limpar os cantos da mente e do coração de conceitos foi uma tarefa que aprendi, principalmente no que diz respeito ao amor. Eu já tive idéias muito fechadas, de que o amor era um só, de que se eu não conseguisse ficar com aquela pessoa específica do passado nunca mais seria feliz. E passei muitos anos naquele inferno sentimental. E não percebi porque eu só quebrava a cara todas às vezes. Ai, eu cai em mim e descobri que o que faltava era essa limpeza, era um ponto final. E dei esse um ponto final para começar de uma vez por todas uma nova história, mas sem nunca mais ficar querendo que uma coisa morta voltasse à tona. E aí eu descobri alguém muito especial, que faz a minha vida muito feliz.

Mas aí eu poderia ficar reclamando, murmurando, que droga, é um amor à distância. Já te falei isso muitas vezes, repito aqui no texto, venho aprendendo dia a dia a valorizar mais o tipo de namoro que a vida me dá, sem querer viver com base na espera de chegar a hora de ter o que não tenho. É importante ser feliz com o que se tem. Porque a vida, como diz John Lennon, “Vida é o que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos.” Eu fiquei emocionadíssima com um filme muito simples que passou agora pouco, você viu? Premonições, com a Sandra Bullock. A película conta a história de uma mulher que perde o marido em um acidente de carro. O enredo transcorre no período exato de uma semana. A sacada do filme é que a personagem não vive esta semana na ordem dos dias. Ela a cada manhã acorda em dias diferentes, uma hora na sexta, depois volta para a segunda e finalmente na quarta. Quando ela percebe isso, começa uma corrida para tentar descobrir uma maneira de impedir o acidente de carro do marido.

E as cenas que me arrancaram lágrimas são justamente as mais corriqueiras. Ela sabendo que o marido iria morrer, fica admirando-o fazer as coisas cotidianas, como tomar café da manhã. Ela o abraça com muita força antes de ele ir para o trabalho, porque sabe que é a última vez que fará aquilo. Depois, à noite, fica observando ele dormir, porque sabe que é a última vez. Numa manhã, que ela está convicta de que ele está morto, acorda e o vê no chuveiro. Ela se mete de roupa e tudo de baixo da água e o abraça e começa a chorar. Eu, claro, chorei junto.

Você já imaginou que reclama tanto por viver um amor à distância…

Mas e…se soubesse que é a última vez que vai ouvir a voz dele?
Beijar os lábios dele e olhar seus olhos e nunca mais poder tocá-lo?
Receber o scrap ou mensagem de celular dele?
Que é a última vez que vai levá-lo para a rodoviária, porque ele nunca mais fará o caminho de volta para você esperá-lo ali, no portão de desembarque?

Em uma cena, a personagem do filme está parada no sofá, ainda entorpecida com o enterro, olhando fixamente para o armário da cozinha. A mãe pergunta o que é e ela responde: “É aquele pote grande, que fica na última prateleira, eu não alcanço, vai ficar muito difícil sem ele aqui para pegar para mim”.

Eu tenho tantas coisas que já me acostumei a fazer com ele que não posso reclamar de nada, porque se não o tivesse para nunca mais, realmente seria muito difícil.

Obrigada, Lucy, por essa reflexão! Foi muito bom relembrar esse filme, fiquei até com lágrimas nos olhos! Rs.

 

(5) Comentários

  1. Plincesa Lucy diz:
  2. Aninha Barreto diz:
  3. Aninha Barreto diz:
  4. eu diz:
  5. Li diz:

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